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Empreendendo com economia circular na Estônia: entrevista com Nemailla Bonturi da ÄIO

A cientista e empreendedora Nemailla compartilha sua trajetória, desde sua formação acadêmica no Brasil até a fundação da ÄIO na Estônia

A Estônia tem se destacado como um polo de tecnologia e inovação, atraindo empreendedores de diversas partes do mundo. Um desses empreendedores é Nemailla Bonturi, cofundadora da ÄIO, startup que está revolucionando a economia circular com soluções inovadoras para a produção de óleos sustentáveis. 

Nesta entrevista, a cientista e empreendedora Nemailla compartilha sua trajetória, desde sua formação acadêmica no Brasil até a fundação da ÄIO na Estônia. Além disso, ela dá dicas sobre os desafios e as oportunidades de empreender em um país extremamente digital e com grande apoio para novas startups. Confira e se inspire!

Você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória? O que te levou a se mudar para a Estônia?

Eu estudei Biotecnologia na Unesp e depois eu fui para a Unicamp em Campinas. Lá, eu fiz meu mestrado e meu doutorado em Engenharia Química, oportunidade em que eu comecei a ter contato com a tecnologia que hoje a gente usa na ÄIO. Minha pesquisa era um pouco diferente do trabalho que a gente faz na ÄIO, mas basicamente a ideia era a mesma. 

Então, em 2016, quando passamos por uma mudança de governo, eu como cientista imaginei que seria difícil continuar [o trabalho] no Brasil. Logo, eu pensei que queria um emprego na Europa; procurei por várias vagas até que encontrei uma vaga para trabalhar na universidade de Tartu, na Estônia, como pesquisadora.

Tartu é a segunda maior cidade da Estônia, mas é onde está instalada a universidade do país. Assim, a vaga era perfeita para mim, porque juntava tudo em que eu tinha experiência, ou seja, biologia sintética. Por isso, acabei sendo selecionada. E assim fui de mudança para a Estônia. 

Como surgiu a ideia de fundar a ÄIO? 

Eu comecei a trabalhar como pesquisadora e mantive um bom contato com a Unicamp e com o meu ex-orientador. Na época, em 2018, “sobravam” muitas bolsas na Estônia para alunos de doutorado e foi aí que, [junto com o orientador], começamos a trazer vários alunos para fazer doutorado na universidade de Tartu.

Nesse momento, o chefe do grupo de pesquisa na época, Petri-Jaan Lahtvee, sócio e fundador junto comigo, começou a ver o potencial de fundar a ÄIO. E, quando surgiu esse interesse do grupo, a gente começou a pesquisar mais.

Temos muito conhecimento sobre  a levedura que transforma, por exemplo, açúcar em álcool – que faz a cerveja, que faz o vinho, que a gente usa para fazer o pão. Então, essas leveduras com as quais trabalhamos são diferentes, no sentido de que, em vez de fazer esse álcool, ou fazer a massa crescer, elas “engordam”. Na época do doutorado, a gente pensava em usar isso  como uma fonte renovável de biodiesel. Depois, nos perguntamos por que não avaliar se poderíamos aplicar esse óleo, essa gordura, em áreas que realmente têm um produto, né, que poderia ter um valor maior de mercado, um nicho mais especial.

A partir disso,  mudamos o grupo de estudos para Talín, capital da Estônia, para a Universidade Tecnológica de Talín. Vimos que daria para usar nosso produto como substituto do óleo de palma, do óleo de coco, da gordura animal, e fomos montando esse quebra-cabeça. Começamos a ter contato também com o pessoal das startups da cidade – Talín é um lugar que exala a energia das startups. O próprio escritório de inovação da Universidade, trazia investidores para vir e ver o que estava sendo produzido. Nós éramos convidados a participar de eventos, a ter contato com investidores. Basicamente, foi assim que nasceu a empresa.

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou no início e como você os superou?

Um grande desafio foi mudar essa “pele” de cientista para a de “empreendedora”, porque eu não tive educação empreendedora durante todo o meu ensino. Portanto, para mim, era muito difícil pensar: “Agora, o que que eu faço como uma startup”? 

Uma coisa que a gente fez com a AIO, e que eu realmente aconselho, é que a gente começou a entrar em aceleradoras. Na Universidade de Tartu, existe uma aceleradora para startup de ciências; então, ali foi  que eu comecei a aprender, por exemplo, o que era valuation, o que era investimento de equidade, etc. Nos primeiros dias, eu dizia que eu sabia fazer ciência, mas não sabia vender para investidor, fazer um pitch, o marketing. Eu acho que realmente o desafio foi fazer essa transição. Foi inclusive um desafio pessoal, mas eu creio que hoje estou superconfortável.

A ÄIO é uma empresa de economia circular que trabalha com o reaproveitamento de óleo. Você pode nos explicar melhor como funciona o modelo de negócios da sua empresa e a importância da economia circular no contexto atual?

O primeiro ponto a destacar é sobre trabalhar com óleos e gorduras, um tópico ao qual ninguém presta muita atenção. Eles são um mercado de mais ou menos 235 bilhões de dólares anuais. São moléculas que estão sendo usadas amplamente, seja para produzir comida, ração animal, seja para produtos químicos, cosméticos, etc. 

Um exemplo disso é o óleo de palma, que se encontra como ingrediente em 50% dos produtos industrializados. Então, não estamos falando de algo desconhecido, mas sim de um produto que tem um mercado muito grande e uma aplicação extensa. 

Outro grande ponto é a sustentabilidade. Para produzir óleos e gorduras, normalmente se utilizam recursos vegetais ou animais. Mesmo que seja pela agricultura, essa produção depende de um monte de terra, de um monte de água, de agrotóxico, de um pouco de emissão de CO2. Desse modo, a maneira tradicional de produzir essas moléculas não é sustentável. Diferentemente disso, o que a ÄIO faz é, basicamente, utilizar fermentação, como em uma cervejaria, ocupando pelo menos 10 vezes menos todos os recursos e produzindo essas moléculas pelo menos 10 vezes mais. 

Por isso, eu acho que a beleza da tecnologia está nessa circularidade. Em suma, qualquer resíduo que você tenha  – ou açúcar ou álcool ou ácidos orgânicos – a gente pode usar.  

Sobre o modelo de negócio, a ideia é que nós licenciaríamos nossa tecnologia, isto  é, a nossa levedura, ou faríamos uma joint venture, para que seja feita a produção do óleo, e a empresa possa usá-lo como ingrediente dos produtos que eles têm.

A Estônia é conhecida por ser um hub de tecnologia e inovação. De que forma essa atmosfera tecnológica tem influenciado o funcionamento e a evolução da ÄIO?

Eu acho que a primeira parte é a questão da mentoria, de você ter aceleradoras de diferentes tipos disponíveis, assim como mentores muito disponíveis também. Outro ponto é que a Estônia vive em um mundo muito digital. Por exemplo, no momento de abrir a startup, gastamos 30 minutos e custou poucos euros. Para começar, você já abre a sua empresa de forma totalmente digital e com uma burocracia mínima. 

Além disso, há muitos incentivos governamentais para startups, independentemente da área de atuação. A ÄIO, por exemplo, obteve mais de dois milhões de euros em financiamento para projetos de pesquisa do governo. A obtenção desse valor não exige que entreguemos parte da empresa ou que paguemos juros altos, o que nos ajuda a investir em contratação e desenvolvimento de tecnologia.

Existem benefícios e incentivos que a Estônia oferece para empreendedores estrangeiros? Você recomendaria outros brasileiros a considerarem a Estônia como um destino para seus negócios?

Outra grande vantagem é o processo de aplicação para financiamentos, que é bem mais ágil do que no Brasil. Na Estônia, se você submete um projeto, uma pessoa do governo cuida dele, e, se há algo a corrigir, você recebe um e-mail e pode resolver a questão rapidamente. A comunicação é direta, o que acelera tudo.

E, se você é um empreendedor de fora e quer instalar sua startup para a Estônia, o Startup Visa facilita muito o processo. Você consegue trazer sua família e equipe de uma maneira bem simplificada, e eles oferecem muito suporte nesse processo. Toda essa infraestrutura e esse apoio realmente impulsionam a ÄIO e outras startups aqui na Estônia.

Quais são os próximos passos para a ÄIO e quais são suas expectativas para o futuro da economia circular tanto na Estônia quanto globalmente?

Eu quero virar um unicórnio, né? Quem não quer? Esse é o plano A (risos). Então, se tudo der certo, em agosto a gente vai anunciar que fechamos nossa série A. A partir daí, teremos muito trabalho para expandir a equipe, conseguir todas as permissões necessárias, visando lançar nosso produto no mercado e construir nossa planta de demonstração. Isso é crucial para termos mais material disponível localmente e começarmos a licenciar nossa tecnologia ou até fazer joint ventures.

Esse é o plano para os próximos dois anos. Em relação às expectativas para a economia circular, espero que os investidores compreendam sua importância. Aqui na Estônia e nos países nórdicos, é fácil conversar com investidores, pois eles entendem a necessidade disso. Exceto talvez aqueles que investem muito em tecnologia da informação (TI), o que também é muito forte aqui. Mas, no geral, é essencial que tanto os investidores quanto os governos reconheçam a relevância da inovação, desde a formação das pessoas até o desenvolvimento de novas tecnologias.

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