Sustentabilidade e ESG para além do discurso com Danilo Maeda
Com a ascensão de pautas de sustentabilidade e a ESG, muitas marcas começaram a mostrar aos consumidores uma preocupação com esses temas.
Com a ascensão de pautas de sustentabilidade e a ESG (responsabilidade ambiental, social e de governança), muitas marcas começaram a mostrar aos consumidores uma preocupação com esses temas.Se observamos ao nosso redor, já é possível encontrar alguns exemplos: aplicativos de entrega confirmando se precisamos mesmo de descartáveis, algumas marcas vendendo as sacolas para nos forçar a refletir sobre a sua necessidade, empresas ofertando embalagens de papel e até mesmo embalagens ressaltando a composição, com destaque para o que é biodegradável. Mas há ainda muito esforço a ser feito.É por isso que convidamos Danilo Maeda, head da Beon, consultoria estratégica em ESG. Jornalista com especialização em Gestão para Sustentabilidade e História, Danilo também é professor e conferencista nos temas de Sustentabilidade e Comunicação.
1 - A sustentabilidade é um tema que está em ascensão; por isso, muitas empresas estão buscando atrair a atenção das pessoas com essa promessa. Mas como a sustentabilidade pode ir além do discurso e se concretizar em ações de sustentabilidade no dia a dia? E em relação às pequenas empresas?
A premissa para responder a essa questão é lembrar que empresas fazem parte da sociedade. Portanto, contribuem positiva e negativamente com seus negócios e decisões, que produzem impactos relevantes. Ao reconhecer isso e estabelecer um pensamento sistêmico e de longo prazo, as organizações percebem que é necessário criar agendas de sustentabilidade, que tratem de temas sociais, ambientais e outros aspectos que colaboram para a perenização do negócio e beneficiem a sociedade. Isso é uma realidade para qualquer tipo de negócio.Estabelecer uma agenda estratégica de sustentabilidade costuma ser o primeiro passo para desenvolver um negócio com melhores impactos socioambientais. Ao chegar a uma visão de futuro clara, a organização pode protagonizar a própria jornada e atrair as pessoas para virem junto. Os benefícios para o negócio vão desde uma melhor gestão de riscos até geração de valor financeiro, ao capturar oportunidades de mercado. Para a sociedade e o mercado, o ganho está relacionado com o fato de que a organização passa a se integrar ao meio de forma mais harmônica, ao se responsabilizar por sua externalidade.
2 - Um dos pilares da sustentabilidade é a questão climática. Como as empresas podem fomentar ações favoráveis às condições climáticas?
As mudanças climáticas são de fato um dos principais desafios do planeta. E o setor privado tem um papel importante a cumprir, por conta dos impactos causados e pelos riscos a que estamos todos expostos, que aumentam a necessidade de adaptação às mudanças climáticas. Aspectos como mudanças nos regimes de chuvas e maior frequência de eventos extremos podem afetar basicamente qualquer empresa.É, portanto, necessário avaliar o grau de impacto produzido pela organização, a fim de definir planos para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, o que é chamado de ‘mitigação’. Medidas nas áreas de energia e combustíveis costumam ser as mais frequentes para isso.
3 - A questão climática foi impactada positivamente com a ascensão das pautas de ESG?
Do ponto de vista da visibilidade do tema, sim. Além disso, houve avanços no engajamento de organizações nesse processo, com metas de redução da emissão de gases de efeito estufa adotadas por números crescentes de empresas. Contudo, ainda é necessário que essa agenda se acelere mais. Ainda há espaço entre os compromissos assumidos atualmente e a mudança necessária para conter o aquecimento global no limite de 1,5ºC estabelecido no Acordo de Paris – e entendido como seguro pelos cientistas do clima.
4 - Na sua visão, as empresas têm também alguma responsabilidade no que tange a propagar o conhecimento e a informação de qualidade sobre a pauta sustentabilidade?
Sim. Apesar de bastante discutida, a agenda do desenvolvimento sustentável é muito ampla e complexa. Desta forma, o grau de conhecimento da sociedade sobre o tema é relativamente pequeno. Por isso, é importante que as empresas assumam tal responsabilidade, que traz consigo oportunidades de posicionamento. Seja pela reputação, pelo valor de marca, seja pelo engajamento com audiências e até pelo impacto comercial, vale a pena engajar sua empresa em causas e se comunicar sobre isso, desde que isso ocorra com consistência e que o compromisso seja uma verdade dentro da organização. Vivemos um tempo marcado pela hiperconectividade, pelo ativismo e pela demanda crescente por transparência. É o que tenho chamado de “Era da Verdade”, um tempo em que consistência e engajamento genuíno são as chaves para construir reputação. Não há mais espaço para projetar imagens que não correspondem à realidade. A sabedoria popular já decretava que ‘mentira tem perna curta’. E Greenwashing também.
5 - E qual o papel das lideranças quando o assunto é sustentabilidade?
Em primeiro lugar, é preciso entender que sustentabilidade é uma jornada e uma abordagem de gestão. Posteriormente a isso, a pergunta que emerge é: ok, como fazer? Há vários caminhos possíveis e um dos mais interessantes, que busca conciliar a busca por objetivos financeiros e sociais, é chamado de ‘organização híbrida’. Proposta por Julie Battilana, Anne-Claire Pache, Metin Sengul e Marissa Kimsey, a abordagem envolve quatro alavancas: 1) estabelecer e monitorar metas sociais juntamente com as financeiras; 2) estruturar a organização para apoiar atividades de cunho social e financeiro; 3) fazer contratação e aculturamento de funcionários; 4) promover liderança ambidestra.Na última alavanca, que traduzi como liderança ambidestra (originalmente dual-minded leadership), a ideia é administrar as tensões que surgem no caminho visando alcançar objetivos duplos para tomar decisões estratégicas. Nessa hora, é preciso coragem e inteligência para encontrar formas de conciliar curto prazo e longo prazo, impacto financeiro e social, retorno para acionistas e stakeholders.
6 - Algumas empresas já incluem sustentabilidade em seus propósitos, outras até mesmo metas. Mas como transformar essa intenção em ação?
O primeiro passo é entender o papel central do engajamento de stakeholders para o sucesso de estratégias de ESG. Mais do que reagir a demandas ou apenas mitigar risco, é atuar em conjunto com o propósito de construir valor compartilhado. Em vez de apenas informar e/ou consultar os públicos impactados pelo negócio, é preciso criar espaços de colaboração, empoderamento e desenvolvimento de projetos conjuntos. A partir daí, serão necessárias ferramentas específicas, como uma boa avaliação de materialidade, mapeamento de riscos e oportunidades socioambientais, definição de indicadores e metas em sustentabilidade, bem como mecanismos de gestão.Para saber mais sobre práticas de ESG, faça o download deste E-book.
7 - E a sustentabilidade enquanto um nicho de negócio? Quais as opções e as oportunidades?
Na Agenda do Desenvolvimento Sustentável, há grandes desafios a serem endereçados. Esse cenário impõe urgência na adoção ampla, imediata e de alto impacto de soluções para os grandes desafios sociais e ambientais que enfrentamos.Não é exagero dizer que, para acelerar a transformação, dependemos de respostas ainda não disponíveis. É o que chamamos de ‘cisnes verdes’: novas soluções sistêmicas para desafios globais. Elas poderão ser escaladas e aplicadas com velocidade para reverter danos e gerar valor compartilhado sem efeitos colaterais. Não é à toa que utilizamos termos como “escala”, “impacto” e “velocidade”, muito comuns no mundo da inovação e do empreendedorismo digital. Eles estão na mesa porque chegamos a um ponto em que esses aspectos são fundamentais para a manutenção de condições mínimas de sobrevivência para a humanidade.Em outras palavras, na biologia do empreendedorismo, é necessário que os ‘cisnes verdes’ ocupem o espaço de desejo já ocupado pelas startups ‘unicórnio’. Todos querem ser escaláveis, transformacionais e disruptivos. O sucesso, porém, só virá no longo prazo – para quem empreende e para os demais habitantes do planeta – se tudo isso estiver aliado com impacto socioambiental positivo.
8 - Hoje, existem espaços para empresas trocarem conhecimento e práticas sobre sustentabilidade e ESG?
Sim, há muitos fóruns empresariais e associações que incluíram essa temática como eixo estratégico. Além disso, temos visto organizações investirem cada vez mais em programas específicos de formação e letramento em temas ESG, que podem ser desenvolvidos de forma personalizada visando refletir as questões que dizem respeito a cada segmento e modelo de negócios.
9 - Existe alguma forma ideal sobre como as empresas devem comunicar “da porta para fora” essa preocupação com sustentabilidade?
Escrevi um artigo sobre esse tema da comunicação ESG, no qual apresento alguns passos (abaixo). Para ler o conteúdo completo: https://exame.com/bussola/comunicacao-sustentavel-e-sobre-causa-verdade-e-consistencia/1) Mapeie os assuntos relevantes para o seu negócio e para seus públicos mais estratégicos - concentrar-se nos temas materiais deve ser o primeiro filtro de uma comunicação sustentável, consistente e livre de greenwashing.2) Desenvolva um plano de ação consistente, com metas claras e engaje a empresa nesses objetivos - fazer a lição de casa é fundamental. Ou para usar os termos da moda: storydoing antes de storytelling.3) Comunique com suas audiências sobre o que tem sido feito e aproveite para ouvir feedbacks (afinal, engajamento é uma via de mão dupla). Aqui, é fundamental uma estratégia consistente para pensar em mensagens, narrativas e canais a serem utilizados. Comunicação não é só sobre o que queremos dizer, mas principalmente sobre o quê (e como) nossos públicos entendem e querem ouvir.4) Reveja periodicamente sua estratégia socioambiental para garantir que ela continue alinhada com a realidade. As coisas mudam, e em ritmo cada vez mais rápido. Use a inteligência de dados associada à inteligência humana para interpretar a realidade e entender se aquela meta assumida há alguns anos continua alinhada com as expectativas dos seus stakeholders ou se agora a exigência aumentou.5) Lembre que sustentabilidade é um caminho que se trilha em conjunto. Estamos em uma jornada de longo prazo. Além do senso de direção, é preciso lidar com ajustes de rotas e construir parcerias duradouras para ampliar os impactos positivos e resolver problemas sistêmicos. Como diz a música, é ‘impossível ser feliz sozinho’.
10 - E na relação com os investidores? Pensando no nicho de startups, boas práticas de sustentabilidade podem impactar na captação de investimentos? E nas empresas listadas na Bolsa, como fica?
Como resumem Benoit Leleux e Jan Van Der Kaaij no excelente livro Winning Sustainability Strategies (Palgrave MacMillan, 2019, ainda sem tradução), existem quatro tipos de benefícios em um business case da sustentabilidade em empresas: 1. Cortes de custos com base em soluções eco eficientes, como redução no uso de água ou de energia; 2. Geração de receita por meio de inovação sustentável; 3. Melhoria de reputação e relacionamento com stakeholders como clientes, funcionários e investidores; 4. Redução de riscos com ações como a diminuição do custo de capital ou da dependência de recursos limitados ou não renováveis.Por essas questões, segundo os autores, os investidores não apenas aceitaram, mas incorporaram a sustentabilidade em seus produtos e estratégias. Ou seja, uma boa gestão de temas ESG virou sinônimo de capacidade de gerar valor financeiro no longo prazo.
11 - Existem certificações ou selos sobre práticas sustentáveis, que podem servir como norte para as empresas que buscam implementar novas práticas?
Existem vários, mas é muito relevante estudar e conhecer os critérios utilizados, buscando caminhos que façam sentido ao negócio e que tenham credibilidade.
12 - Na sua visão, qual será o papel do consumidor em influenciar a entrada de agendas sustentáveis nas empresas?
Os consumidores tem um papel-chave. Pesquisas sobre comportamento de consumidores têm demonstrado intenção crescente de entender as compras como um ato consciente e responsável. Contudo, consumidores apontam restrições para uma mudança de comportamento mais acelerada: preço elevado, informações enganosas sobre os produtos, marketing enganoso (greenwashing) e falta de transparência ou de informações sobre os produtos. Ou seja: as pessoas querem produtos e serviços com melhor impacto, mas não conseguem pagar muito mais caro e nem sempre acreditam nas histórias que as marcas contam.De qualquer forma, o consumo consciente cresce e é um caminho sem volta. Cada vez mais, as pessoas entendem que comprar é um ato de cidadania. Elas demandam engajamento genuíno das marcas e das empresas que fornecem bens de consumo. Em vez de um custo ou um empecilho, a gestão da sustentabilidade é um diferencial competitivo, que está se tornando um aspecto essencial para qualquer marca
13 - Existem muitas realidades diferentes – setores, tamanhos, regiões. Mesmo com toda diversidade, qual conselho você daria para quem gostaria de se atentar mais para as questões ambientais?
De fato, a agenda é muito complexa e diversificada. No entanto, há um aspecto que vale para todo e qualquer negócio: não se faz capitalismo de stakeholders sem stakeholders. Ou seja: coloque o engajamento em um lugar central de sua estratégia. Desta maneira, será possível identificar riscos, oportunidades e impactos relevantes objetivando tornar sua organização mais sustentável e preparada para o futuro.Se você quer saber como o tema ESG pode ser explorado em pequenos negócios, acesse aqui.